quinta-feira, 17 de julho de 2014

O TEATRO DA TRINDADE

Foi esta sala de espectáculos inaugurada na noite de Sábado de 30 de Novembro de 1867. Deveu-se a Francisco Palha de Faria Lacerda a ideia inicial da fundação do Trindade; a sua realização numa sociedade de accionistas, o projecto e direcção de obras foi entregue ao arquitecto Miguel Evaristo; a rapidez com que foi executada, e a firmeza e perseverança com que foram vencidas muitas e não pequenas dificuldades deveram-se aos esforços das pessoas nomeadas e a Narciso de Freitas Guimarães, tesoureiro da sociedade edificadora.
Teatro da Trindade em 1876
(Gravura da época, colecção particular)
 Tinha o teatro três grandes fachadas: a principal que deitava para o Largo da Trindade e estava voltada para norte; a oeste a da Rua Larga de São Roque e para leste a da Rua Nova da Trindade.

Na frente principal ficava a entrada para o soberano e sua família; na Rua Nova da Trindade abriam-se os portais que davam ingresso ao público para o teatro, para o salão de concertos e bailes, e para os botequins; na da Rua Larga de São Roque estavam as portas de serventia para o palco, camarins de actores, subterrâneos, etc.

O salão de entrada tinha 9 metros de comprimento e 7 de largura; na parede do lado direito abriam-se as portas que davam para as plateias e que conduziam aos camarotes, tendo estes outra entrada especial; na parede do lado esquerdo estavam as portas que comunicavam com o botequim, o grande salão de 15 metros de comprimento e 11 de largura, finalmente ao fundo viam-se os portais que davam entrada para duas salas de bilhar e para vários gabinetes em que se encontravam dispostas mesas para uma família poder tomar qualquer refeição particularmente.

Tetaro da Trindade c.1900
(gravura da época.Colecção particular
Era dividia a plateia em três partes: a primeira, mais chegada ao palco, compunha-se de 76 cadeiras de braços, feitas de mogno e 500 réis era o seu preço para cada noite de espectáculo. A segunda, constava de bancos de mogno com costas e assentos de palhinha, em que havia 176 lugares ao preço de 400 réis, esta era a chamada de “superior”. A terceira, era a “geral” e tinha 200 lugares em bancos da mesma madeira, sendo o seu preço de 200 réis.

Tinha a sala de espectáculos frisas, uma galeria ou balcão, por baixo da ordem nobre, com 80 cadeiras iguais às que estavam na plateia e cujo preço era de 600 réis; 22 camarotes encontravam-se na ordem nobre, além do da Família Real, aos quais correspondia interiormente uma sala, quarto de toucador, camarim e copa. Havia ainda mais 24 camarotes de segunda ordem, mais 14 de terceira e 7 de cada lado da galeria que se denominava “paraíso” e tinham lugar para 200 espectadores, que pagavam 100 réis cada um.

Vários quadros da Opereta Fantástica "A Viagem à Lua" apresentada no Teatro da Trindade
em Maio de 1870. Tratava-se de uma tradução do texto de Eduardo Garrido com música de Offenbach.
(Gravura da época. Colecção particular)
Os camarotes eram espaçosos, estavam forrados a papel carmesim, e, em vez de frontal, tinham grades convexas de bonito desenho, envernizadas de branco com ornatos dourados. O seu preço variava não somente em relação à ordem em que se encontravam, mas também relativamente à sua colocação na frente ou nos lados do teatro.

A pintura do tecto foi executada por José Procópio, discípulo de Rambois e Cinnati. Entre muitas variadas e ricas decorações avultavam doze medalhões com retratos de Gil Vicente, Sá de Miranda, António Ferreira, Garção, Manuel de Figueiredo, Camões, António José, H. de Matos, Feijó, João Baptista Ferreira, Bocage e Garrett. O lustre que pendente era rico e muito bonito, tendo sido executado em Paris.

As escadas que conduziam para as diferentes ordens, assim como os corredores que davam serventia para os camarotes e galerias, eram largos, de forma elegante, e colocados de modo a facilitar a saída dos espectadores por maior que fosse a concorrência. A esta excelente condição juntou-se outra muito necessária em todos os edifícios construídos para grandes reuniões públicas, que era a de ser muito bem arejado em todas as suas partes interiores. O sistema de ventilação, aplicado a este teatro, pelo arquitecto Miguel Evaristo satisfazia todas as exigências da higiene e da comodidade pública. Por meio deste sistema o ar era renovado a todo o momento e conservava-se uma temperatura muito agradável em todo o interior do edifício, qualquer que seja a aglomeração de povo dentro dele. Foi este o primeiro teatro do País a desfrutar de tão grande vantagem e também foi a primeira vez que se implementou tal sistema em Portugal.

Anúncio publicado no Diário Ilustrado de 26 de Dezembro de 1876. Onde se
anunciavam as récitas e bailes de máscaras para o Carnaval de 1877.
(Colecção particular)
Contudo, não foi esta a única inovação introduzida neste edifício. Mais três práticas, já utilizadas em França e outros países, mas inteiramente novas para nós, se viam no Teatro da Trindade. Consistia a primeira em ter duas frisas com rótulas douradas, que, deixando observar-se tudo de dentro para fora, ocultavam as pessoas que nelas estivesse, o que proporcionava poderem desfrutar do espectáculo as famílias que, em razão do luto ou de outras conveniências sociais... se julgassem interditas de assistirem a tais divertimentos públicos. A segunda, dizia respeito à rápida transformação da plateia em salão de baile, nas noites de Carnaval. Esta operação, que era morosa e dispendiosas conforme o sistema até ali utilizado, passou a executar-se num curto espaço de tempo e com muita economia, pois que, sendo movediço o pavimento da plateia, apenas dele se tiravam e colocavam, em outra ordem, as cadeiras e bancos que a obstruíam, bastando, para tal, a força de dois homens para o levar ao nível do palco, constituindo então com este um vastíssimo salão. A terceira e última prática foi a que afeiçoou o pano de boca do teatro aos usos da publicidade, até aquela altura privativos dos jornais e das esquinas dos prédios. Convertendo o pano num verdadeiro jornal de anúncios, sem que prejudicasse completamente a sua beleza, oferecendo aos industriais e comerciantes um meio de publicidade muito eficaz, e aos espectadores uma diversão nos intervalos, que a muitos poderia ser proveitosa.

O proscénio ou boca de teatro contava na sua largura 11,20 metros e o palco 20 metros de comprimento e 22 de largura. O arco, do palco, era todo branco e guarnecido de ornamentos dourados. O fundo do palco deitava para a Rua Larga de São Roque, onde existiam 12 janelas, que o faziam muito claro e alegre; também era movediço, o pavimento do palco, podendo subir ou baixar com grande facilidade, e, além dessa vantagem, muito importante para o bom efeito de certas cenas, era formado por alçapões para facilitar as transformações e aparições nas peças fantásticas. Para este fim havia por baixo do palco uma grande casa de 7 metros de altura, onde podiam trabalhar desafrontadamente os maiores e mais complicados mecanismos.

Vista do proscénio na actualidade
Era também debaixo do palco, onde se encontram os camarins dos actores e das actrizes, com janelas; este pavimento, que era subterrâneo para o lado da Rua Nova da Trindade, tinha janelas de primeiro andar, em virtude do declive do terreno, para a Rua Larga de São Roque. Nos subterrâneos, com portas para esta rua, encontravam-se as diversas oficinas, as casas de arrecadações, etc.

O grande salão de concertos e bailes ocupava uma boa parte da frontaria do edifício, que se estendia pela Rua Nova da Trindade, para a qual deitam 8 janelas. Tinha 15 metros de comprimento, 14 de largura, e toda a altura do pavimento nobre, em que estava situado o segundo andar. Corria em volta dele, por três lados, uma espaçosa galeria com duas ordens de cadeiras, sustentada por esbeltas colunas e guarnecida com uma linda gradaria, de forma convexa, branca e dourada. No lado da fachada abriam-se as janelas correspondentes ao segundo andar e em uma das suas extremidades estava o camarote da Família Real. No fundo do salão existia um anfiteatro para os concertos e para a orquestra que tocava durante os bailes de máscaras. As paredes da sala, por baixo da galeria, estavam revestidas de espelhos com molduras douradas, do tecto, que era magnífico, pendiam três lustres, grandes e de gracioso feitio; e da galeria, entre as colunas que a sustentam estavam pendentes, em torno da sala, 10 lustres pequenos. Com diversas placas, também dispostas em volta da sala, completava-se a iluminação dela, que era na verdade esplêndida, do mesmo modo que a de todas as salas, corredores e escadas do edifício.

Vista da plateia  e camarotes, na actualidade


No último pavimento, que ficava sobre a sala dos espectáculos, encontrava-se o guarda-roupa, a casa da pintura e quatro tanques de ferro para depósito de água, a fim de oferecerem pronto-socorro no caso de incêndio; e os grandes tubos de ventilação e exaustação do calórico. Este pavimento comunicava com o palco por uma escadaria. Havia, igualmente, no edifício diversos registos, pertencentes ao encanamento das águas da cidade, a que chamavam “bocas de acudir aos incêndios”. A parte do edifício que olhava para a Rua Nova da Trindade, concluiu-se no início de 1877, e foi inaugurado com bailes de máscaras por ocasião do Carnaval. Desde essa época deram-se diversos concertos no grande salão.

Foi o custo do edifício, por efeito de uma severa economia e zelosa vigilância na direcção e fiscalização das obras, 80.000$000 (oitenta contos de réis)


Texto de: Vilhena Barbosa em 1877.  Coorden. do texto e ilustrações: marr