quinta-feira, 17 de julho de 2014

O TEATRO DA TRINDADE

Foi esta sala de espectáculos inaugurada na noite de Sábado de 30 de Novembro de 1867. Deveu-se a Francisco Palha de Faria Lacerda a ideia inicial da fundação do Trindade; a sua realização numa sociedade de accionistas, o projecto e direcção de obras foi entregue ao arquitecto Miguel Evaristo; a rapidez com que foi executada, e a firmeza e perseverança com que foram vencidas muitas e não pequenas dificuldades deveram-se aos esforços das pessoas nomeadas e a Narciso de Freitas Guimarães, tesoureiro da sociedade edificadora.
Teatro da Trindade em 1876
(Gravura da época, colecção particular)
 Tinha o teatro três grandes fachadas: a principal que deitava para o Largo da Trindade e estava voltada para norte; a oeste a da Rua Larga de São Roque e para leste a da Rua Nova da Trindade.

Na frente principal ficava a entrada para o soberano e sua família; na Rua Nova da Trindade abriam-se os portais que davam ingresso ao público para o teatro, para o salão de concertos e bailes, e para os botequins; na da Rua Larga de São Roque estavam as portas de serventia para o palco, camarins de actores, subterrâneos, etc.

O salão de entrada tinha 9 metros de comprimento e 7 de largura; na parede do lado direito abriam-se as portas que davam para as plateias e que conduziam aos camarotes, tendo estes outra entrada especial; na parede do lado esquerdo estavam as portas que comunicavam com o botequim, o grande salão de 15 metros de comprimento e 11 de largura, finalmente ao fundo viam-se os portais que davam entrada para duas salas de bilhar e para vários gabinetes em que se encontravam dispostas mesas para uma família poder tomar qualquer refeição particularmente.

Tetaro da Trindade c.1900
(gravura da época.Colecção particular
Era dividia a plateia em três partes: a primeira, mais chegada ao palco, compunha-se de 76 cadeiras de braços, feitas de mogno e 500 réis era o seu preço para cada noite de espectáculo. A segunda, constava de bancos de mogno com costas e assentos de palhinha, em que havia 176 lugares ao preço de 400 réis, esta era a chamada de “superior”. A terceira, era a “geral” e tinha 200 lugares em bancos da mesma madeira, sendo o seu preço de 200 réis.

Tinha a sala de espectáculos frisas, uma galeria ou balcão, por baixo da ordem nobre, com 80 cadeiras iguais às que estavam na plateia e cujo preço era de 600 réis; 22 camarotes encontravam-se na ordem nobre, além do da Família Real, aos quais correspondia interiormente uma sala, quarto de toucador, camarim e copa. Havia ainda mais 24 camarotes de segunda ordem, mais 14 de terceira e 7 de cada lado da galeria que se denominava “paraíso” e tinham lugar para 200 espectadores, que pagavam 100 réis cada um.

Vários quadros da Opereta Fantástica "A Viagem à Lua" apresentada no Teatro da Trindade
em Maio de 1870. Tratava-se de uma tradução do texto de Eduardo Garrido com música de Offenbach.
(Gravura da época. Colecção particular)
Os camarotes eram espaçosos, estavam forrados a papel carmesim, e, em vez de frontal, tinham grades convexas de bonito desenho, envernizadas de branco com ornatos dourados. O seu preço variava não somente em relação à ordem em que se encontravam, mas também relativamente à sua colocação na frente ou nos lados do teatro.

A pintura do tecto foi executada por José Procópio, discípulo de Rambois e Cinnati. Entre muitas variadas e ricas decorações avultavam doze medalhões com retratos de Gil Vicente, Sá de Miranda, António Ferreira, Garção, Manuel de Figueiredo, Camões, António José, H. de Matos, Feijó, João Baptista Ferreira, Bocage e Garrett. O lustre que pendente era rico e muito bonito, tendo sido executado em Paris.

As escadas que conduziam para as diferentes ordens, assim como os corredores que davam serventia para os camarotes e galerias, eram largos, de forma elegante, e colocados de modo a facilitar a saída dos espectadores por maior que fosse a concorrência. A esta excelente condição juntou-se outra muito necessária em todos os edifícios construídos para grandes reuniões públicas, que era a de ser muito bem arejado em todas as suas partes interiores. O sistema de ventilação, aplicado a este teatro, pelo arquitecto Miguel Evaristo satisfazia todas as exigências da higiene e da comodidade pública. Por meio deste sistema o ar era renovado a todo o momento e conservava-se uma temperatura muito agradável em todo o interior do edifício, qualquer que seja a aglomeração de povo dentro dele. Foi este o primeiro teatro do País a desfrutar de tão grande vantagem e também foi a primeira vez que se implementou tal sistema em Portugal.

Anúncio publicado no Diário Ilustrado de 26 de Dezembro de 1876. Onde se
anunciavam as récitas e bailes de máscaras para o Carnaval de 1877.
(Colecção particular)
Contudo, não foi esta a única inovação introduzida neste edifício. Mais três práticas, já utilizadas em França e outros países, mas inteiramente novas para nós, se viam no Teatro da Trindade. Consistia a primeira em ter duas frisas com rótulas douradas, que, deixando observar-se tudo de dentro para fora, ocultavam as pessoas que nelas estivesse, o que proporcionava poderem desfrutar do espectáculo as famílias que, em razão do luto ou de outras conveniências sociais... se julgassem interditas de assistirem a tais divertimentos públicos. A segunda, dizia respeito à rápida transformação da plateia em salão de baile, nas noites de Carnaval. Esta operação, que era morosa e dispendiosas conforme o sistema até ali utilizado, passou a executar-se num curto espaço de tempo e com muita economia, pois que, sendo movediço o pavimento da plateia, apenas dele se tiravam e colocavam, em outra ordem, as cadeiras e bancos que a obstruíam, bastando, para tal, a força de dois homens para o levar ao nível do palco, constituindo então com este um vastíssimo salão. A terceira e última prática foi a que afeiçoou o pano de boca do teatro aos usos da publicidade, até aquela altura privativos dos jornais e das esquinas dos prédios. Convertendo o pano num verdadeiro jornal de anúncios, sem que prejudicasse completamente a sua beleza, oferecendo aos industriais e comerciantes um meio de publicidade muito eficaz, e aos espectadores uma diversão nos intervalos, que a muitos poderia ser proveitosa.

O proscénio ou boca de teatro contava na sua largura 11,20 metros e o palco 20 metros de comprimento e 22 de largura. O arco, do palco, era todo branco e guarnecido de ornamentos dourados. O fundo do palco deitava para a Rua Larga de São Roque, onde existiam 12 janelas, que o faziam muito claro e alegre; também era movediço, o pavimento do palco, podendo subir ou baixar com grande facilidade, e, além dessa vantagem, muito importante para o bom efeito de certas cenas, era formado por alçapões para facilitar as transformações e aparições nas peças fantásticas. Para este fim havia por baixo do palco uma grande casa de 7 metros de altura, onde podiam trabalhar desafrontadamente os maiores e mais complicados mecanismos.

Vista do proscénio na actualidade
Era também debaixo do palco, onde se encontram os camarins dos actores e das actrizes, com janelas; este pavimento, que era subterrâneo para o lado da Rua Nova da Trindade, tinha janelas de primeiro andar, em virtude do declive do terreno, para a Rua Larga de São Roque. Nos subterrâneos, com portas para esta rua, encontravam-se as diversas oficinas, as casas de arrecadações, etc.

O grande salão de concertos e bailes ocupava uma boa parte da frontaria do edifício, que se estendia pela Rua Nova da Trindade, para a qual deitam 8 janelas. Tinha 15 metros de comprimento, 14 de largura, e toda a altura do pavimento nobre, em que estava situado o segundo andar. Corria em volta dele, por três lados, uma espaçosa galeria com duas ordens de cadeiras, sustentada por esbeltas colunas e guarnecida com uma linda gradaria, de forma convexa, branca e dourada. No lado da fachada abriam-se as janelas correspondentes ao segundo andar e em uma das suas extremidades estava o camarote da Família Real. No fundo do salão existia um anfiteatro para os concertos e para a orquestra que tocava durante os bailes de máscaras. As paredes da sala, por baixo da galeria, estavam revestidas de espelhos com molduras douradas, do tecto, que era magnífico, pendiam três lustres, grandes e de gracioso feitio; e da galeria, entre as colunas que a sustentam estavam pendentes, em torno da sala, 10 lustres pequenos. Com diversas placas, também dispostas em volta da sala, completava-se a iluminação dela, que era na verdade esplêndida, do mesmo modo que a de todas as salas, corredores e escadas do edifício.

Vista da plateia  e camarotes, na actualidade


No último pavimento, que ficava sobre a sala dos espectáculos, encontrava-se o guarda-roupa, a casa da pintura e quatro tanques de ferro para depósito de água, a fim de oferecerem pronto-socorro no caso de incêndio; e os grandes tubos de ventilação e exaustação do calórico. Este pavimento comunicava com o palco por uma escadaria. Havia, igualmente, no edifício diversos registos, pertencentes ao encanamento das águas da cidade, a que chamavam “bocas de acudir aos incêndios”. A parte do edifício que olhava para a Rua Nova da Trindade, concluiu-se no início de 1877, e foi inaugurado com bailes de máscaras por ocasião do Carnaval. Desde essa época deram-se diversos concertos no grande salão.

Foi o custo do edifício, por efeito de uma severa economia e zelosa vigilância na direcção e fiscalização das obras, 80.000$000 (oitenta contos de réis)


Texto de: Vilhena Barbosa em 1877.  Coorden. do texto e ilustrações: marr 

quarta-feira, 11 de junho de 2014

MANJERICOS, GRILOS E ALCACHOFRAS

Junho é o mês dos Santos Populares, o mês dos manjericos, dos grilos e das alcachofras. Lembrando-nos as noites de folguedo, os cantos à desgarrada, os bailaricos, os saltos das fogueiras, o cheiro a sardinha assada e as multidões de foliões dos bairros populares de Lisboa e Porto.



O manjerico perfumado, rasteiro sempre acompanhado por uma quadra popular e a alcachofra dos campos, a que a tradição popular vem dando desde tempos remotos um pouco de poesia e de lenda que a alma nacional recebe com amor.

















Os manjericos vendem-se na Praça da Figueira, no Rossio e nos bairros típicos.
- “É regar e pôr ao luar”!


E lá vão eles florir, mais tarde, as janelas e varandas acalentados pelas mãos das suas donas, refrescando-os e defendendo-os do sol do mês de Junho, ou em noites de luar vão largando o seu perfume a viverem a sua existência efémera mas tão portuguesa.


 E janela ou sacada que se preze tem que ter o seu grilo, que em troco de uma folha fresca e viçosa de alface nos delicia, principalmente nas noites quentes de Junho, com o seu grilar.



No intervalo dos bailaricos e dos saltos das fogueiras queima-se a alcachofra, para que, florindo no dia seguinte, se conheçam os sentimentos do namorado, a sua constância e firmeza no amor…Quantos momentos de ansiedade na expectativa de uma desilusão, quantas exclamações de alegria se a alcachofra floriu depois de carbonizada a sua florinha…




Depois do desfile das marchas populares e das correrias pelos bairros típicos de Lisboa, ou a tradição do alho-porro (hoje martelinhos) no Porto, come-se a “bela sardinha assada”, vê-se o fogo de artifício e lançam-se os balões, onde se ouve gritar:
-“Ò patego olha o balão…!”


Como tudo isto é belo na sua ingenuidade, como isto é tão típico e característico, como tudo isto fala ao coração dos portugueses…


Texto e ilustrações: marr

quinta-feira, 29 de maio de 2014

A Ferrari




As tardes na Ferrari, da Rua Nova do Almada, às horas do chá, como nas boas manhãs de suculentos almoços, eram bem passadas e corriam rápidas. Alimentava-se o corpo e o espírito; a tradição, envolta em substâncias saborosas, como as trouxas de ovos, fabricadas pelo grande Ferrari, continuadas pelos seus sucessores e que fizeram as delícias das bisavós, das avós e das mamãs das frequentadoras desta casa tradicional.

Quando o velho Hilário da Cruz Ferrari, aí por volta de 1821, tinha o seu estabelecimento na Patriarcal Queimada, já era de frequência boa a loja do celebrado conserveiro genovês. O que ele cultivava tão bem como a arte culinária, era a política.

Miguelista ferrenho, zelador dos bons costumes e créditos da sua rua, foi dos que usou a medalha com a Real Efígie e andou em vigilância de cabo de polícia pelo Bairro Alto. Largou para Elvas, de fugida, quando os constitucionais chegaram. A sua casa foi reduzida a cinzas. Se ele tivesse apenas feito as suas deliciosas tortas, os fornos continuariam acessos, sem que os seus telhados abatessem. Ficou a saudade do tempo em que era fino, chique, entrar nessa loja agora devastada.

Colecção particular
O filho guardara-lhe as receitas e a tradição, chamava-se Mateus Ferrari e mudou-se da Cotovia para a Baixa, para o novo estabelecimento na Rua Nova do Almada sensivelmente em 1827; na casa estivera, anteriormente, instalada uma modista da maior nomeada: a Oliveira Botto!

Este espelendido conserveiro fez as suas armas nobres. “O pai fora político e ali acorriam todos os políticos, o pai sacrificara-se por um Rei e a Família Real dera a sua freguesia ao Ferrari; era estrangeiro e os embaixadores serviam-se de sua casa, a sua pastelaria, a sua cozinha, a sua mão de artista tinham ganho a consagração e de tal maneira, que obteve a maior honra dessa época em seu mister. Foi ele que arrematou o botequim da Ópera São Carlos! Anos a fio serviu com atenções e com esmero, enriqueceu e jamais deixou de trabalhar e por cada ano que decorria maior era a sua fama.

Foi chique ir ao Ferrari quando Costa Cabral trovejava e comer no Ferrari quando os marechais se revoltavam; mandar servir ceias do Ferrari quando D. Estefânia veio casar a Lisboa; fornecer a seus convidados as belas comidas do Ferrari quando Saldanha estilhaçava os vidros do Paço Real. Em frente a todos os acontecimentos da história, jamais o Ferrari deixou de manter os seus pergaminhos de casa preferida pelas sociedades altas que sucessivamente foram dominando.
Colecção particular
E ali, num canto cómodo daquela casa tradicional, como deve ter sido bom recordar a tradição e comer o seu almoço ou beber o seu chá, enquanto se pensava em tudo quanto viram aquelas paredes...

O Ferrari morreu, mas o que ficara, o que não se finaria, foi a tradição das suas receitas maravilhosas. Isto é que não morrerá! E tem-se a sensação que o insigne genovês, lá do céu, onde passeia com Vatel, deve, de quando em quando, inspirar os sucessores para que Lisboa conserve o seu restaurante das tradições.

Infelizmente este estabelecimento desapareceu aquando do pavoroso incêndio do Chiado no dia 25 de Agosto de 1988 e com ele foi-se a tradição da Pastelaria Ferrari...
 Coorden. e  ilustrações: marr

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Metropolitano de Lisboa


Desde o inicio das obras do metropolitano que se romperam largas e profundas valas, transformaram a fisionomia da Avenida da Liberdade e de outras artérias da capital por onde máquinas e homens passaram abrindo caminho ao metropolitano.
" romperam larga e profundas valas"  (Av. Almirante Reis)


"transformaram a fisionomia da Av. da Liberdade"






















Marquês de Pombal



















"primeira fase com cerca de 7 km."
Aquela primeira fase(1), com cerca de 7 quilómetros, fazia parte de uma rede mais vasta, com cerca de 40 quilómetros de extensão, integrada no “plano geral de coordenação dos transportes urbanos e suburbanos”, através do qual se iriam resolver as dificuldades com que se lutava em Lisboa no âmbito da circulação e dos transportes pelas ruas da cidade.

"as estações que eram em número de onze"














As estações que eram em número de onze, distribuíam-se ao longo das linhas, a distâncias médias na ordem dos 650 metros; a iluminação era feita com armaduras fluorescentes, existindo ainda as de socorro que entravam em funcionamento no caso de interrupção da corrente


"a iluminação era feita com armaduras fluorescentes"















A circulação do público era fácil e onde se tornou conveniente separar correntes de sentidos diferentes aí se encontravam simples grades divisórias, dotadas de escadas que davam acesso aos átrios dos cais.

"amplos átrios acolhiam os passageiros"
Com excepção da estação da Rotunda, que tinha 70 metros, as outras foram construídas com o comprimento de 40 metros, correspondente a uma composição de duas carruagens, de 200 passageiros cada. Não se passava directamente da superfície para os cais, amplos átrios acolhiam os passageiros que procuravam este meio de transporte; aí encontravam não só os esclarecimentos necessários sobre a rede do Metropolitano e suas ligações com os transportes de superfície, como se poderia também adquirir jornais, tabacos, telefonar, etc.

"através de escadas, que eram fixas"



"adoptaram-se sistemas mecânicos"













Os acessos às estações faziam-se através de escadas, que eram fixas, no caso quase geral das pouco profundas e quando os cais se situavam a desníveis superiores a 9 metros, em relação à superfície da rua, adoptaram-se sistemas mecânicos de acesso, como aconteceu na estação do Parque.

"carruagens inteiramente metálicas"















As carruagens eram inteiramente metálicas com assentos revestidos de material plástico e portas de correr de funcionamento automático; o sistema de tarifas era o de bilhete único e a sua venda fazia-se nos átrios.

"assentos revestidos de material plástico e portas de correr
de funcionamento automático"


"sistema de ventilação forçado"
Existiu a preocupação constante de manter o interior das estações e restantes galerias com um ambiente fresco e bem arejado, para maior comodidade do público. Para o efeito, recorreu-se a um sistema de ventilação forçado, constituído essencialmente, por oito ventiladores, todos 
tele comandados, o que assegurava, numa hora, a dupla renovação integral do ar das galerias.

O Presidente da República Almirante Américo Tomás
no dia da inauguração do Metropolitano de Lisboa

 (1)   Inaugurado no dia 29 de Dezembro de 1959  

  Coorden. do texto e ilustrações da colecção particular de :marr




sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Camisaria Moderna

Quem não se recorda da surpresa que constituía, para muitos, o cenário da Camisaria Moderna? A tal que vendia as célebres camisas que "não fazem pregas no peito nem rugas no colarinho". Era precisamente no interior da loja, no salão de atendimento ao público que existia um original viveiro de aves... o seu proprietário, o Sr. António Regojo Rodriguez,  justificava este viveiro do seguinte modo:
Aspecto do interior da Camisaria Moderna com as aves à solta




O Sr. António Regojo Rodri-
guez, proprietário da
Camisaria Moderna
- " Há aproximadamente um ano (1952) que um pintassilgo ferido procurou refúgio no meu estabelecimento. Sentiu-se bem e decidiu ficar e a docilidade da sua permanência fez-me pensar na possibilidade de manter um viveiro de pássaros em liberdade no interior da minha loja. E o que pensei aconteceu... claro que não os soltei aqui dentro todos de uma só vez!"

"Primeiramente, a medo, soltei meia dúzia. verificando que, conquanto existisse natural perturbação, as aves não tentavam fugir e isso animou-me a, progressivamente, ir aumentando o seu número. E acabei por ficar com cinquenta! Mandei construir bebedouros, baloiços, poleiros e uma pequena árvore, não lhes faltando com nada para o seu bem-estar."


"Fugirem? Como a porta se encontra num plano inferior ao dos poleiros, calculei não ser muito fácil que tal acontecesse, pelo menos nos primeiros tempos encontra-la, e, quando conheceram o caminho da porta, curiosamente lembravam-se dela para regressarem... evidentemente que os meus pássaros não desdenham uns passeiozitos pelo mundo dos outros mas... voltam sempre depois."
Bebedouros, poleiros, baloiços e até uma pequena árvore...

O Sr. Regojo, sorrindo, acrescentava ainda:

-"Fiz com os meus alegres pensionistas um contrato simbólico. Dou-lhes casa e mesa para que me dêem uma nota colorida ao ambiente com uma condição expressa. Que não me "desconsiderem" os clientes e, até hoje, têm cumprido a promessa..."

Aqui as aves vivem felizes num ambiente de que já não se podem afastar























As avezitas voando de um lado para o outro...

Das muitas vezes que lá fui com os meus pais, ainda criança, lembro-me perfeitamente das avezitas, escolhidas entre os de mais belas e variadas cores, a chilrearem alegremente, voando de um lado para o outro; e sempre que ia à Baixa, lá corria eu para ir espreitar os passarinhos da loja do Sr. Regojo! Bons tempos aqueles...





In: Século Ilustrado de Dezembro de 1953 (colecção particular)
Coordenação da entrevista e das fotos: marr


quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Fábrica de Lâmpadas Lumiar - Foi Notícia em Setembro de 1933...

A LUMINOSA REALIDADE 
DAS 
LÂMPADAS LUMIAR

Colocação de suportes e montagem do filamento


A Empresa Nacional de Aparelhagem Eléctrica inaugurou há dias, oficialmente, a sua fábrica de lâmpadas eléctricas «LUMIAR». Finalmente possuímos já uma fábrica de lâmpadas eléctricas, justa aspiração de tantos anos.

Uma nova indústria surge e vem uma vez mais demonstrar que Portugal caminha, para a sua equiparação aos grandes países.

Secção de fotometria

O edifício em questão ocupa a área de 5000m2, em 3 amplos andares, 110 operários, espalhados por diversas secções apetrechadas com a mais moderna maquinaria, fabricam sob o mais rigoroso controlo e processos científicos perfeitíssimos milhares de lâmpadas em todos os tipo usuais para todas as potencias.
Máquina de corte do gargalo das ampôlas

A capacidade fabril actual, é de 8000 lâmpadas diárias. O cristal é ali produzido, o que sucede em muito poucas fábricas congéneres, em fornos aquecidos a óleos pesados, merecendo especial referência o perfeito processo de moldes mecânicos onde é moldada a ampola - uma inovação no nosso País. Toda a lâmpada «LUMIAR» é inteiramente fabricada ali, excepção feita ao filamento e casquilho.
Os potes de fecho e de enchimento

Todas as secções requerem do pessoal extrema precisão e atento cuidado, sendo de justiça, pôr em relevo a admirável adaptação do operariado, que duma forma rápida executa as diversas operações - algumas de extrema delicadeza - com o maior desembaraço.

Fabrico do pé das lâmpadas
A lâmpada «LUMIAR» rivaliza com as melhores congéneres estrangeiras, e para que a nossa preferência lhe seja dada, impondo-se à admiração de todos, está também o nosso carinho por tudo quanto é nosso, tudo quanto é português.



Preferir a lâmpada «LUMIAR» é além duma justiça recta, combater o snobismo irritante da preferência pelos produtos estrangeiros.

In: Notícias Ilustrado de Setembro de 1933 (Colecção particular)
Coordenação do texto e das fotos: marr

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Moçambique - "Pepito" - Um palhaço esquecido

Tem igualmente este "blog", como um dos seus objectivos, recordar e fazer avivar figuras que fizeram parte do nosso património cultural e que hoje estão totalmente esquecidas, por todos nós, ou trazê-las ao conhecimento das actuais gerações.

Prestamos assim, embora tardiamente, homenagem a todas essas personalidades que, de um ou de outro modo, se destacaram no seu tempo dentro das suas actividades profissionais.
marr

Lourenço Marques - Moçambique c.1967
(Colecção particular)


Recordar "Pepito" não o fará voltar ao nossos convívio, contudo é obrigação de, pelo menos duas gerações, o recordarem em Lourenço Marques, Moçambique.

Delfim de Oliveira Rodrigues foi seu colega, fez dupla com "Pepito" e ambos fizeram rir milhares de pessoas, concedeu uma entrevista em 1971, onde nomeadamente afirmou:

«Falar sobre a vida de José Pereira da Silva Júnior, o conhecido palhaço "Pepito", seria um livro bastante volumoso, mesmo só falando daqui, de Moçambique, onde se radicou. Para aqui veio por alturas de 1942, na Companhia do falecido Octávio de Matos, quando esse artista veio a esta cidade, como ilusionista, apresentar o grande espectáculo "Ling-Chong".

Desligou-se da Companhia aqui se fixou e se casou, tendo-lhe nascido um casal. A filha, a então conhecida "Belita", que bastantes vezes actuou em conjunto connosco, era uma artista que, embora ensinada só pelo pai, chegou a ser bastante admirada e elogiada por outros artistas estrangeiros que tinham ocasião de nos ver trabalhar.

Só com o rodar dos anos me associei a "Pepito", pois anteriormente ele fazia parceria com outro rapaz que, devido aos seus inúmeros deveres profissionais, o teve que largar. Associei-me a ele, como disse, até à data do seu falecimento, ocorrido na tarde de 28 de Julho de 1967.

"Pepito" (ao meio) numa avenida de Lourenço Marques - Moçambique
(In: Plateia (Colecção particular)

Só de lamentar que um artista como foi este, consciencioso da sua profissão e muitíssimo meticuloso no que gostava de apresentar ao público, mesmo com prejuízo pessoal - pois que só da arte viveu no rodar desses anos todos - é de lamentar que nunca lhe pagassem o que merecia. Apenas uns míseros "cachets" surgiam daqui ou dali (e sempre discutidos!).

É de lamentar que um artista como foi este colega, que sempre acedia a convites para este ou aquele espectáculo, trabalhasse em toda a cidade - pois viu duas gerações rirem-se das coisas que se faziam para rir, o que é mesmo muito difícil e às vezes Deus sabe como é amargo estar nos locais onde nos apresentamos - insisto, é de lamentar que toda a gente se esquecesse da pessoa que nunca sabia dizer não, a ponto de várias vezes nos aborrecermos mesmo, por aceitar certas propostas...Depois, nem ao menos obrigado nos diziam no final do "show", se queríamos um refresco, era do nosso bolso que saía o pagamento...

No entanto tudo já passou... menos o nome do artista que faleceu a 28 de Julho de 1967!

Agora pergunto eu:
- O que há e em que lugar se fez, o que quer que fosse que recorde um amigo dessas gerações, hoje papás, mamãs e até avós, para que possam dizer aos seus quem foi aquele homem que tanto os divertiu?

Houve uma subscrição pública, para se mandar fazer um busto dele e colocá-lo no Parque Infantil do Jardim Zoológico de Lourenço Marques, a perpetuar aquele que fez rir e divertir muita gente.

Mas em que ficou tudo isso? Onde estão os resultados? Chegou ou não para o fim em vista? Ninguém sabe...

É de lamentar que nem ao menos a sua fria campa se encontre arranjada. Quem passe pelo cemitério e queira saber onde é o seu leito eterno, para assim nele colocar algumas flores e mesmo em silêncio rezar por ele, tem de se dirigir ao encarregado, pois que é um montinho de terra que para ali está. E nada mais justifica a presença daquele que também ajudou Lourenço Marques, a terra que tanto o fascinou a ficar por cá...e onde ficou afinal para todo o sempre!»

In: "Plateia" de Agosto de 1971 (colecção particular)
Coordenação do texto: marr