(Entrevista com a Marquesa de Unhão)
D. Maria Pia conservou-se sempre alheia aos acontecimentos políticos durante o reinado de seu marido, D. Luís. Só quando o Marechal Saldanha se revoltou, para derrubar o gabinete do Duque de Loulé (1879) que cercou com a artilharia o palácio da Ajuda, onde a família real residia; o marechal parlamentava então com o Rei, quando, de súbito, apareceu D. Maria Pia que, altiva, lhe declarou: - «Se fosse eu o Rei, mandava-o fuzilar!».
D. Maria Pia ( |
D. Maria Pia, nasceu em Turim, na Itália, no dia 16 de Outubro de 1847, era filha do então Príncipe Vítor Manuel de Piemonte, que dois anos depois (1849) foi aclamado Rei de Sardenha,e, em 1867 Rei de Itália, e de sua esposa a Arquiduquesa Maria Adelaide.
Tendo a Princesa Maria Pia ficado órfã de mãe aos sete anos de idade, a sua educação ficou a cargo da Condessa de Vila Marina. Foi pedida, em casamento, pelo Visconde da Carreira como enviado português a Turim, para D. Luís I, quando tinha catorze anos; o contrato matrimonial foi assinado a 8 de Agosto de 1861. Efectuou-se o enlace por procuração, em Turim a 27 de Novembro de 1862, tendo embarcado a Princesa no dia 29 na corveta Bartolomeu Dias. Assim que o navio fundeou, frente a Belém, foram logo a bordo o Rei D. Luís, seu pai D. Fernando, o Conselho de Estado, o Ministério, etc. D. Maria Pia permaneceu na corveta até ao dia seguinte, indo então desembarcar no Caís das Colunas.
No Terreiro do Paço foi construído um sumptuoso pavilhão onde recebeu os cumprimentos de boas-vindas. O casamento foi ratificado na Igreja de São Domingos no dia 6 de Outubro, seguindo-se, na cidade, três dias de festa com embandeiramento nas ruas, luminárias, fogos-de-artifício, paradas militares, recepções no Paço, etc.
Do casamento houve dois filhos: D. Carlos (depois D. Carlos I) e D. Afonso Henriques (Duque do Porto).
D. Maria Pia com o seu filho Príncipe D. Carlos, depois Rei de Portugal e vítima do atentado no Terreiro do Paço (Colecção particular) |
Mais tarde, a 2 de Outubro de 1873, achando-se a banhos em Cascais, e tendo ido passear com os seus filhos ao longo da costa, até um local chamado Mexilhoeiro, correu grande perigo a sua existência. Vendo uma onda arrebatar os Príncipes, a heróica Rainha lançou-se imediatamente ao mar para os salvar, e seria irremediavelmente vítima da sua dedicação maternal, se não viesse em seu auxílio e dos Príncipes o ajudante do faroleiro da Guia, António de Almeida Neves, que conseguiu arrastar para terra a Rainha e os sues filhos.
D. Maria Pia, embora considerada a mais faustosa rainha da Europa, distribuía muitas gratificações e donativos aos que a serviam. Era muito esmoler, por isso, o povo a cognominou de "Anjo da Caridade". Em diversas catástrofes, que assolaram o País, era a primeira a deslocar-se para socorrer, materialmente, os sinistrados. Tal foi o que aconteceu no Inverno de 1876 e por ocasião do incêndio do Teatro Baquet no Porto em 1888, embarcando logo para a cidade Invicta, apesar do temporal que fustigava a costa marítima, a fim de levar socorros às famílias das vítimas e aos pobres dos bairros. Quando da fome do Ceará, no Brasil, também para ali enviou socorros vultuosos. Por isso era muito estimada pelo povo. Se ela, às vezes, passeava com D. Luís, nas ruas de Lisboa, os transeuntes ao reconhece-los aplaudiam e festejavam espontaneamente os soberanos.
Visitou diversas vezes a Itália e outros países da Europa. "Era ela a Rainha por excelência - relata-nos Eduardo de Noronha - nas Tulherias, ao lado da formosíssima Imperatriz Eugénia; em Windsor Castle, recebida pela respeitada e poderosa Rainha Vitória, soberana da Grã-Bretanha; festejada no Palácio do Oriente em Madrid, pela impetuosa Isabel II; hospedada, não importa por que grande potentado era ela a Rainha. Sabia-o ser!".
No ano de 1877, foi inaugurado, no Porto,a ponte metálica do caminho de ferro, que recebeu o seu nome. Fundou em 1878, na Tapada da Ajuda, a creche Vítor Manuel. Durante o reinado do seu filho, D. Carlos, D. Maria Pia manteve a sua atitude alheia à política.
Dando-se o regicídio, a sexagenária D. Maria Pia sofreu tão grande abalo que se lhe alteraram as faculdades mentais. Chegava ao ponto de regar as carpetes, onde julgava ver flores salpicadas pelo sangue do seu filho e do seu querido neto.
Ao embarcar na Ericeira e ao abandonar o País onde entrara precisamente quarenta e oito anos antes, como noiva feliz e Rainha adorada, a razão fugazmente desperta-lhe fez compreender o que se passava e recusa-se a embarcar e a deixar Portugal, que amara como sua verdadeira Pátria. O iate Amélia que conduzia a Família Real para o exílio aportou a Gibraltar e daí partiu D. Maria Pia para Itália, num cruzador italiano que propositadamente a foi buscar.
Indo habitar no Castelo de Stupinigi, com a sua irmã Clotilde, que adorava, faleceu esta pouco depois da sua chegada. A saúde abalada de D. Maria Pia não suportou mais este golpe... mais esta morte... e a filha de Vítor Manuel faleceu a 5 de Julho de 1911. O seu cadáver foi transportado para Superga, onde ficou depositado no Panteão da Família Real Italiana.
Na Revista "ABC" de 2 de Fevereiro de 1922, o jornalista João D'Alpains fez uma entrevista à Sr.ª Marquesa de Unhão, a última Dama da Rainha D. Maria Pia, de que passo a transcrever algumas passagens mais significativas:
" No sue pequeno palácio da Rua da Vinha, a Sr.ª Marquesa de Unhão, que foi íntima da casa Real e que foi a última Dama da Rainha Senhora Dona Maria Pia, acede receber-nos, quando seu costume era não falar a jornalistas em coisas do passado, aquele passado que é na sua vida a maior saudade."
" Olhamos distraidamente uma fotografia que está junto de nós. S. M. a Rainha-Mãe e o Príncipe D. Luís Filipe, tendo apenas meses de idade. A expressão daquela criança enche-nos de tristeza. Ele está a sorrir, descuidado, ainda inconsciente, ainda sem pensar... naquela idade os homens deviam-lhe ser diferentes, diferentes daqueles, que, numa trágica tarde o derrubaram a tiro - ele era bom e tinha grande paixão pela sua terra. Noutro quadro, El-Rei D. Carlos, vestindo de caçador. Expressão sem ódio, expressão feliz, julgando bem todas as pessoas que o rodeavam, que privavam com ele.""
-"A revolução apanhou-me em Sintra - revela a Sr.ª Marquesa de Unhão - S. M. a Rainha D. Maria Pia vivia muito adoentada nos últimos tempos; não recebia ninguém, a não ser pessoas que estavam de serviço. Sofria de uma grande tristeza, desde o assassinato do Rei e do Príncipe. Ela adorava o Príncipe. Começou a miná-la uma tristeza enorme, muitas vezes não queria ver ninguém, viviam mais consigo, acompanhava-a sempre a sua nostalgia. Sua Majestade era uma pessoa muito nervosa, irrequieta. Antigamente, não; vivia, sempre alegre, imensamente inteligente, era o desejo maior de todos que a rodeavam. Naquele dia da revolução, quando disseram para fugir, S. M. revoltou-se, que não fugiria, que antes tomaria o caminho de Lisboa. S. M. nunca sentiu medo. Ela sabia que o lugar do Rei era nos lugares de perigo e queria estar mais perto, mais junto dele."
-"Quando chegámos a Mafra ainda S. M. quis voltar para Lisboa.
Era Lisboa que ela desejava; nós não devíamos ter abandonado Lisboa; quase todos os boatos eram falsos e depois restava-nos o País inteiro. Sá a bordo é que soubemos que não íamos para o Porto! Sempre julgámos que, embarcando em Mafra, seguiríamos para o norte de Portugal! Não fizemos bagagem, S. M. tinha uma mala de mão, coisas mais necessária e eu, outra. Nenhuma das Senhoras Rainhas de Portugal desejava sair; custou-lhe muito a dar esse passo. Muito! A bordo todos tinham a certeza que aquela retirada era por pouco tempo, que nos chamariam logo. S. M. a Rainha Maria Pia tinha sempre a impressão que a estavam a chamar - que voltaria em breve. Nunca julgou morrer no seu exílio, longe de Portugal que Ela tanto amou"
-"Vivia cheia de saudades e recordava-se de tudo, pensava em tudo. Mais tarde , pedi um mês de licença, pretendia voltar a Portugal para tratar de questões particulares. Não estando em minha casa, perguntei a S. M. se deveria trazer as malas para Lisboa. S. M. disse-me que sim e depois chamou-me. «É melhor lavá-las, porque assim como nos expulsaram rapidamente podem chamar-nos».
-"Não assistiu, Sr.ª Marquesa, à morte de S. M.?"
-"Não! Estava em Portugal. Tive imenso desgosto. Se tivesse adivinhado..."
A Senhora Marquesa, antes de se retirar tem mais uma frase:
-"S. M. nunca se meteu na política. Foi mau! A Rainha-Mãe tinha perfeita noção de todos os problemas e conhecia as pessoas. Adivinhava se elas valiam ou não, pela expressão do seu rosto..."
Coordenação de textos e ilustrações: marr
D. Maria Pia, embora considerada a mais faustosa rainha da Europa, distribuía muitas gratificações e donativos aos que a serviam. Era muito esmoler, por isso, o povo a cognominou de "Anjo da Caridade". Em diversas catástrofes, que assolaram o País, era a primeira a deslocar-se para socorrer, materialmente, os sinistrados. Tal foi o que aconteceu no Inverno de 1876 e por ocasião do incêndio do Teatro Baquet no Porto em 1888, embarcando logo para a cidade Invicta, apesar do temporal que fustigava a costa marítima, a fim de levar socorros às famílias das vítimas e aos pobres dos bairros. Quando da fome do Ceará, no Brasil, também para ali enviou socorros vultuosos. Por isso era muito estimada pelo povo. Se ela, às vezes, passeava com D. Luís, nas ruas de Lisboa, os transeuntes ao reconhece-los aplaudiam e festejavam espontaneamente os soberanos.
D. Maria Pia (Palácio da Ajuda , 1880) |
Visitou diversas vezes a Itália e outros países da Europa. "Era ela a Rainha por excelência - relata-nos Eduardo de Noronha - nas Tulherias, ao lado da formosíssima Imperatriz Eugénia; em Windsor Castle, recebida pela respeitada e poderosa Rainha Vitória, soberana da Grã-Bretanha; festejada no Palácio do Oriente em Madrid, pela impetuosa Isabel II; hospedada, não importa por que grande potentado era ela a Rainha. Sabia-o ser!".
No ano de 1877, foi inaugurado, no Porto,a ponte metálica do caminho de ferro, que recebeu o seu nome. Fundou em 1878, na Tapada da Ajuda, a creche Vítor Manuel. Durante o reinado do seu filho, D. Carlos, D. Maria Pia manteve a sua atitude alheia à política.
Dando-se o regicídio, a sexagenária D. Maria Pia sofreu tão grande abalo que se lhe alteraram as faculdades mentais. Chegava ao ponto de regar as carpetes, onde julgava ver flores salpicadas pelo sangue do seu filho e do seu querido neto.
Ao embarcar na Ericeira e ao abandonar o País onde entrara precisamente quarenta e oito anos antes, como noiva feliz e Rainha adorada, a razão fugazmente desperta-lhe fez compreender o que se passava e recusa-se a embarcar e a deixar Portugal, que amara como sua verdadeira Pátria. O iate Amélia que conduzia a Família Real para o exílio aportou a Gibraltar e daí partiu D. Maria Pia para Itália, num cruzador italiano que propositadamente a foi buscar.
Indo habitar no Castelo de Stupinigi, com a sua irmã Clotilde, que adorava, faleceu esta pouco depois da sua chegada. A saúde abalada de D. Maria Pia não suportou mais este golpe... mais esta morte... e a filha de Vítor Manuel faleceu a 5 de Julho de 1911. O seu cadáver foi transportado para Superga, onde ficou depositado no Panteão da Família Real Italiana.
Na Revista "ABC" de 2 de Fevereiro de 1922, o jornalista João D'Alpains fez uma entrevista à Sr.ª Marquesa de Unhão, a última Dama da Rainha D. Maria Pia, de que passo a transcrever algumas passagens mais significativas:
" No sue pequeno palácio da Rua da Vinha, a Sr.ª Marquesa de Unhão, que foi íntima da casa Real e que foi a última Dama da Rainha Senhora Dona Maria Pia, acede receber-nos, quando seu costume era não falar a jornalistas em coisas do passado, aquele passado que é na sua vida a maior saudade."
D. Maria Pia com o seu neto, o Príncipe D. Luís Filipe, vítima do atentado no terreiro do Paço (Colecção particular) |
-"A revolução apanhou-me em Sintra - revela a Sr.ª Marquesa de Unhão - S. M. a Rainha D. Maria Pia vivia muito adoentada nos últimos tempos; não recebia ninguém, a não ser pessoas que estavam de serviço. Sofria de uma grande tristeza, desde o assassinato do Rei e do Príncipe. Ela adorava o Príncipe. Começou a miná-la uma tristeza enorme, muitas vezes não queria ver ninguém, viviam mais consigo, acompanhava-a sempre a sua nostalgia. Sua Majestade era uma pessoa muito nervosa, irrequieta. Antigamente, não; vivia, sempre alegre, imensamente inteligente, era o desejo maior de todos que a rodeavam. Naquele dia da revolução, quando disseram para fugir, S. M. revoltou-se, que não fugiria, que antes tomaria o caminho de Lisboa. S. M. nunca sentiu medo. Ela sabia que o lugar do Rei era nos lugares de perigo e queria estar mais perto, mais junto dele."
D. Maria Pia com o seu neto, o Príncipe D. Luís Filipe, assassinado no Terreiro do paço em 1-2-1908 (Colecção particular) |
-"Quando chegámos a Mafra ainda S. M. quis voltar para Lisboa.
Era Lisboa que ela desejava; nós não devíamos ter abandonado Lisboa; quase todos os boatos eram falsos e depois restava-nos o País inteiro. Sá a bordo é que soubemos que não íamos para o Porto! Sempre julgámos que, embarcando em Mafra, seguiríamos para o norte de Portugal! Não fizemos bagagem, S. M. tinha uma mala de mão, coisas mais necessária e eu, outra. Nenhuma das Senhoras Rainhas de Portugal desejava sair; custou-lhe muito a dar esse passo. Muito! A bordo todos tinham a certeza que aquela retirada era por pouco tempo, que nos chamariam logo. S. M. a Rainha Maria Pia tinha sempre a impressão que a estavam a chamar - que voltaria em breve. Nunca julgou morrer no seu exílio, longe de Portugal que Ela tanto amou"
-"Vivia cheia de saudades e recordava-se de tudo, pensava em tudo. Mais tarde , pedi um mês de licença, pretendia voltar a Portugal para tratar de questões particulares. Não estando em minha casa, perguntei a S. M. se deveria trazer as malas para Lisboa. S. M. disse-me que sim e depois chamou-me. «É melhor lavá-las, porque assim como nos expulsaram rapidamente podem chamar-nos».
-"Não assistiu, Sr.ª Marquesa, à morte de S. M.?"
-"Não! Estava em Portugal. Tive imenso desgosto. Se tivesse adivinhado..."
A Senhora Marquesa, antes de se retirar tem mais uma frase:
-"S. M. nunca se meteu na política. Foi mau! A Rainha-Mãe tinha perfeita noção de todos os problemas e conhecia as pessoas. Adivinhava se elas valiam ou não, pela expressão do seu rosto..."
Colecção particular |
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