terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O Culto da Padroeira de Portugal

Entrevista com o Dr. Santos Farinha

O Dr. Santos Farinha é de uma inteligência pouco vulgar e todos que se interessam por estas coisas, conhecem-no bem e têm já ouvido a sua palavra simples e bondosa. Os seus inúmeros conhecimentos sagrados, dão-lhe certa autoridade, sendo constante o imenso número de consultas e visitas que os seus admiradores amiúde lhe fazem.

- Alguns dados sobre "o culto da Imaculada"? Está bem. Vamos ver
  se me recordo.

- Parece que a devoção à Sr.ª da Conceição, em Lisboa começou  
  com os cruzados do Ocidente que auxiliaram os soldados de
 Afonso Henriques na tomada desta cidade, conduzindo para a
 parte oriental os feridos, colocando-os em barracas, enfermarias,
feitas sobre a protecção da Virgem, sob o título de Sr.ª da Conceição da Enfermaria, que mais tarde passou para a Igreja de São Vicente onde ainda hoje se conserva como consta duma lápide onde estavam esculpidas estas palavras: Hoc Templum oedificavit Rex Portugalliae Alphonsus I in honorem Beatae Mariae Virginis et Sancti Vicenti Martyris, XI calena Decembris sob era MLXXXV.

Quando começou a intensificar-se em Portugal foi no tempo da Rainha Santa Isabel, mandando construir um altar em sua honra na Igreja do Convento da Trindade.
O Dr. Santos Farinha no seu gabinete de trabalho
Depois foram os franciscanos quem com mais insistência espalharam em Portugal o culto da Sr.ª da Conceição, principalmente nos seus conventos. Contudo o clérigo secular não deixou de secundar todo esse movimento em favor do culto da Imaculada Conceição. É assim que, na Sé Catedral do Porto, de tempos mui remotos, se venerava a Conceição de Maria  com uma capela dedicada à Sr.ª da Conceição. A mesma evocação tinha a capela particular dos Bispos da mesma diocese  Na Igreja de São Martinho de Cedofeita, que é porventura a mais antiga da cidade existiu sempre uma capela em honra da Sr.ª da Conceição. No tempo da 2.ª Dinastia, Avis, a maior parte das casas fidalgas timbraram em ter nas suas capelas a imagem de Nossa Senhora da Conceição. É sabido que Vasco da Gama e Afonso de Albuquerque jamais deixaram de trazer consigo a Sr.ª da Conceição. Se bem atentarmos  na significação mística da Sr.ª do Vencimento do Monte do Carmo, em honra da qual Nuno Álvares erigiu o seu mosteiro, todos esses cultos e homenagens prestados por esse grande português à Virgem, iam objectivar-se no privilégio da Sr.ª da Conceição Imaculada. Pedro Álvares Cabral, tinha a Sr.ª da Conceição como sua padroeira. Os Srs. de Pancas, Manueis de Vilhena, tiveram sempre uma especial devoção a Nossa Sr.ª da Conceição, à qual mais tarde, sagraram na sua capela do palácio que erigiram, perto de Arroios. A casa dos Condes de Almada também teve uma grande devoção a Nossa Sr.ª da Conceição cuja imagem, segundo reza a tradição, acompanhou sempre o herói da Alfarrobeira. El-Rei D. João III e sua mulher a rainha D. Catarina, tiveram sempre muita devoção a esta prerrogativa da Virgem, promovendo-lhe solenes obséquios na Capela Real e no paço de Almeirim.

Reconquistada a independência da Pátria em 1640 determinou El-Rei D. João IV aclamar a Sr.ª da Conceição padroeira deste reino e das suas conquistas.

À Universidade de Coimbra foi determinado que a Sr.ª da Conceição fosse a padroeira desse estabelecimento de ensino e que não se conferissem os graus académicos sem o prévio juramento da defesa deste privilégio (1646) e só em 1854, definido dogma da fé, por Pio IX. Quer nesse ano, quer em 1904, a Universidade de Coimbra dirigiu-se à Santa Sé, afirmando a sua devoção, a esse mistério.

No tempo do Rei D. João V muito lustre teve o culto à Sr.ª da Conceição empenhando-se o clero e a nobreza em servir em toda a magnificência este culto. Uma das igrejas que mais a peito tomou a devoção à Sr.ª da Conceição foi a «Igreja dos Anjos» em que se constituiu uma irmandade que foi das mais prosperas e das mais numerosas da cidade de Lisboa, aprovada pelo Santo Padre Inocêncio XII que a enriqueceu com grandes privilégios em 3 de Maio de 1695.

A Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo, consagrou o seu templo de Lisboa à Sr.ª da Conceição que, após o terramoto, passou para a igreja conhecida pela designação de Sr.ª da Conceição-Velha.

Da freguesia de Santo Estêvão de Alfama, há notícia de que a irmandade da Sr.ª da Conceição congregava as pessoas mais importantes daquela bairro onde morava parte da velha aristocracia da cidade. Em Carnide fundara-se sobre a invocação da Sr.ª da Conceição, um convento de religiosos que, após o terramoto, foi transferido para a Igreja dos Jesuítas onde está hoje o hospital de Arroios.

As damas da aristocracia portuguesa fundaram na Igreja do Espírito Santo, dos padres da Congregação do Oratório, cita no edifício hoje ocupado pelos Armazéns do Chiado, uma irmandade intitulada «Escravas de Nossa Senhora da Conceição» e sob a presidência das Rainhas de Portugal. Após as vicissitudes que sobreviveram à extinção das Ordens Religiosas, esta aristocrática irmandade, estabeleceu-se na Real Capela das Necessidades onde esteve até 1910 e de então, para cá, celebra a sua festa anual na Igreja da Conceição-Nova.

Nossa Senhora da Conceição
Escultura em madeira do século XVIII. Colecção particular

Em Lisboa, além da paróquia desta designação, existe a Igreja dos «Antigos Agostinianos descalços» consagrada à Sr.ª da Conceição e a hoje desafectada do púlpito, Igreja de São Pedro de Alcântara, que o marquês de Marialva fez erigir em honra da Senhora da Conceição pela vitória alcançada pelas tropas portuguesas contra o exército espanhol na guerra da Independência, onde é sabido que na gloriosa acção das Linhas de Elvas, o herói D. Fernão da Silveira, irmão do conde de Sarzedas, morrera gloriosamente, invocando a Pátria e a Virgem Mãe dos portugueses. 

Raras são as igrejas em Lisboa onde se não festeja a Sr.ª da Conceição e se venera a sua Imagem. Para comemoração do 50.º centenário da definição dogmática da Imaculada Conceição constituiu-se uma associação para erigir um templo-monumental que não foi levado a termo por ter sido essa associação dissolvida e os sues bens apreendidos em 1911.

Os grandes mestres que leram teologia em Coimbra, desde o padre Soarez, os Gouveias, os Teivs, até ao grande polemista católico, falecido este ano, o Dr. Silva Ramos; os grandes oradores, desde o padre António Vieira ao saudoso Arcebispo de Évora; os grandes poetas, desde Camões a João de Deus; os dramaturgos, desde Gil Vicente a Garrett; os grandes pintores desde os Coelhos ao Pedro Alexandrino; os grandes músicos como Marcos Portugal a Casimiro, numa palavra, todo o génio português nas suas diferentes modalidades se rendeu em fervorosa homenagem junto da Senhora da Conceição. E a aristocracia nos seus salões e a massa compacta do povo, acotovelando-se no Sameiro em 1904 e a gente da capital e das aldeias, entregando-se à protecção da Sr.ª da Rocha em 1821, traduzem bem o sentir da alma portuguesa que nas horas das suas glórias triunfais e nos instantes das suas turbulentas desditas, dobra o joelho e evoca a Sr.ª da Conceição.

O Dr. Santos Farinha, mais animado, a voz de pregador e de erudito  acrescenta...

- ...e agora, meu amigo, diga aos seus leitores que em 1922 passa o 1.º Centenário da Sr.ª da Conceição da Rocha - a Sr.ª Aparecida - que o facciosismo do ministro liberal José da Silva Carvalho, debalde quis aniquilar e que o Tomás Ribeiro, mais tarde, desagravou, cantando-a na sua lira e esforçando-se para a erigir em Carnaxide, nas margens do Jamor, um templo condigno. Bom era que todos os portugueses, se congreguem para se organizar no próximo ano, uma grande peregrinação nacional a Carnaxide, a qual seja a afirmação da fé e de patriotismo dum povo que deseja ser completamente independente, grande e livre!

Nota:
         Entrevista concedida pelo Dr. Santos Farinha a João D'Alpains ao «ABC» em 
         Dezembro de 1921

Coordenação e imagens: marr










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