Foi esta sala de espectáculos inaugurada na noite de Sábado de 30 de
Novembro de 1867. Deveu-se a Francisco Palha de Faria Lacerda a ideia inicial
da fundação do Trindade; a sua realização numa sociedade de accionistas, o
projecto e direcção de obras foi entregue ao arquitecto Miguel Evaristo; a
rapidez com que foi executada, e a firmeza e perseverança com que foram
vencidas muitas e não pequenas dificuldades deveram-se aos esforços das pessoas
nomeadas e a Narciso de Freitas Guimarães, tesoureiro da sociedade edificadora.
Teatro da Trindade em 1876 (Gravura da época, colecção particular) |
Tinha o teatro três grandes fachadas: a principal que deitava para o
Largo da Trindade e estava voltada para norte; a oeste a da Rua Larga de São
Roque e para leste a da Rua Nova da Trindade.
Na frente principal ficava a entrada para o soberano e sua família; na
Rua Nova da Trindade abriam-se os portais que davam ingresso ao público para o
teatro, para o salão de concertos e bailes, e para os botequins; na da Rua Larga
de São Roque estavam as portas de serventia para o palco, camarins de actores,
subterrâneos, etc.
O salão de entrada tinha 9 metros de comprimento e 7 de largura; na
parede do lado direito abriam-se as portas que davam para as plateias e que
conduziam aos camarotes, tendo estes outra entrada especial; na parede do lado
esquerdo estavam as portas que comunicavam com o botequim, o grande salão de 15
metros de comprimento e 11 de largura, finalmente ao fundo viam-se os portais
que davam entrada para duas salas de bilhar e para vários gabinetes em que se encontravam
dispostas mesas para uma família poder tomar qualquer refeição particularmente.
Tetaro da Trindade c.1900 (gravura da época.Colecção particular |
Tinha a sala de espectáculos frisas, uma galeria ou balcão, por baixo da
ordem nobre, com 80 cadeiras iguais às que estavam na plateia e cujo preço era
de 600 réis; 22 camarotes encontravam-se na ordem nobre, além do da Família Real,
aos quais correspondia interiormente uma sala, quarto de toucador, camarim e
copa. Havia ainda mais 24 camarotes de segunda ordem, mais 14 de terceira e 7
de cada lado da galeria que se denominava “paraíso” e tinham lugar para 200
espectadores, que pagavam 100 réis cada um.
Os camarotes eram espaçosos, estavam forrados a papel carmesim, e, em vez
de frontal, tinham grades convexas de bonito desenho, envernizadas de branco
com ornatos dourados. O seu preço variava não somente em relação à ordem em que
se encontravam, mas também relativamente à sua colocação na frente ou nos lados
do teatro.
A pintura do tecto foi executada por José Procópio, discípulo de Rambois
e Cinnati. Entre muitas variadas e ricas decorações avultavam doze medalhões
com retratos de Gil Vicente, Sá de Miranda, António Ferreira, Garção, Manuel de
Figueiredo, Camões, António José, H. de Matos, Feijó, João Baptista Ferreira,
Bocage e Garrett. O lustre que pendente era rico e muito bonito, tendo sido
executado em Paris.
As escadas que conduziam para as diferentes ordens, assim como os
corredores que davam serventia para os camarotes e galerias, eram largos, de
forma elegante, e colocados de modo a facilitar a saída dos espectadores por
maior que fosse a concorrência. A esta excelente condição juntou-se outra muito
necessária em todos os edifícios construídos para grandes reuniões públicas,
que era a de ser muito bem arejado em todas as suas partes interiores. O
sistema de ventilação, aplicado a este teatro, pelo arquitecto Miguel Evaristo
satisfazia todas as exigências da higiene e da comodidade pública. Por meio
deste sistema o ar era renovado a todo o momento e conservava-se uma
temperatura muito agradável em todo o interior do edifício, qualquer que seja a
aglomeração de povo dentro dele. Foi este o primeiro teatro do País a desfrutar
de tão grande vantagem e também foi a primeira vez que se implementou tal
sistema em Portugal.
Anúncio publicado no Diário Ilustrado de 26 de Dezembro de 1876. Onde se anunciavam as récitas e bailes de máscaras para o Carnaval de 1877. (Colecção particular) |
Contudo, não foi esta a única inovação introduzida neste edifício. Mais
três práticas, já utilizadas em França e outros países, mas inteiramente novas
para nós, se viam no Teatro da Trindade. Consistia a primeira em ter duas
frisas com rótulas douradas, que, deixando observar-se tudo de dentro para
fora, ocultavam as pessoas que nelas estivesse, o que proporcionava poderem
desfrutar do espectáculo as famílias que, em razão do luto ou de outras
conveniências sociais... se julgassem interditas de assistirem a tais
divertimentos públicos. A segunda, dizia respeito à rápida transformação da
plateia em salão de baile, nas noites de Carnaval. Esta operação, que era
morosa e dispendiosas conforme o sistema até ali utilizado, passou a
executar-se num curto espaço de tempo e com muita economia, pois que, sendo
movediço o pavimento da plateia, apenas dele se tiravam e colocavam, em outra
ordem, as cadeiras e bancos que a obstruíam, bastando, para tal, a força de
dois homens para o levar ao nível do palco, constituindo então com este um vastíssimo
salão. A terceira e última prática foi a que afeiçoou o pano de boca do teatro
aos usos da publicidade, até aquela altura privativos dos jornais e das
esquinas dos prédios. Convertendo o pano num verdadeiro jornal de anúncios, sem
que prejudicasse completamente a sua beleza, oferecendo aos industriais e
comerciantes um meio de publicidade muito eficaz, e aos espectadores uma
diversão nos intervalos, que a muitos poderia ser proveitosa.
O proscénio ou boca de teatro contava na sua largura 11,20 metros e o
palco 20 metros de comprimento e 22 de largura. O arco, do palco, era todo
branco e guarnecido de ornamentos dourados. O fundo do palco deitava para a Rua
Larga de São Roque, onde existiam 12 janelas, que o faziam muito claro e
alegre; também era movediço, o pavimento do palco, podendo subir ou baixar com grande
facilidade, e, além dessa vantagem, muito importante para o bom efeito de
certas cenas, era formado por alçapões para facilitar as transformações e
aparições nas peças fantásticas. Para este fim havia por baixo do palco uma
grande casa de 7 metros de altura, onde podiam trabalhar desafrontadamente os
maiores e mais complicados mecanismos.
Vista do proscénio na actualidade |
Era também debaixo do palco, onde se encontram os camarins dos actores e
das actrizes, com janelas; este pavimento, que era subterrâneo para o lado da
Rua Nova da Trindade, tinha janelas de primeiro andar, em virtude do declive do
terreno, para a Rua Larga de São Roque. Nos subterrâneos, com portas para esta
rua, encontravam-se as diversas oficinas, as casas de arrecadações, etc.
O grande salão de concertos e bailes ocupava uma boa parte da frontaria
do edifício, que se estendia pela Rua Nova da Trindade, para a qual deitam 8
janelas. Tinha 15 metros de comprimento, 14 de largura, e toda a altura do
pavimento nobre, em que estava situado o segundo andar. Corria em volta dele,
por três lados, uma espaçosa galeria com duas ordens de cadeiras, sustentada
por esbeltas colunas e guarnecida com uma linda gradaria, de forma convexa,
branca e dourada. No lado da fachada abriam-se as janelas correspondentes ao
segundo andar e em uma das suas extremidades estava o camarote da Família Real.
No fundo do salão existia um anfiteatro para os concertos e para a orquestra
que tocava durante os bailes de máscaras. As paredes da sala, por baixo da
galeria, estavam revestidas de espelhos com molduras douradas, do tecto, que
era magnífico, pendiam três lustres, grandes e de gracioso feitio; e da
galeria, entre as colunas que a sustentam estavam pendentes, em torno da sala,
10 lustres pequenos. Com diversas placas, também dispostas em volta da sala,
completava-se a iluminação dela, que era na verdade esplêndida, do mesmo modo
que a de todas as salas, corredores e escadas do edifício.
Vista da plateia e camarotes, na actualidade |
No último pavimento, que ficava sobre a sala dos espectáculos,
encontrava-se o guarda-roupa, a casa da pintura e quatro tanques de ferro para
depósito de água, a fim de oferecerem pronto-socorro no caso de incêndio; e os
grandes tubos de ventilação e exaustação do calórico. Este pavimento comunicava
com o palco por uma escadaria. Havia, igualmente, no edifício diversos
registos, pertencentes ao encanamento das águas da cidade, a que chamavam
“bocas de acudir aos incêndios”. A parte do edifício que olhava para a Rua Nova
da Trindade, concluiu-se no início de 1877, e foi inaugurado com bailes de
máscaras por ocasião do Carnaval. Desde essa época deram-se diversos concertos
no grande salão.
Foi o custo do edifício, por efeito de uma severa economia e zelosa
vigilância na direcção e fiscalização das obras, 80.000$000 (oitenta contos de
réis)
Texto de: Vilhena Barbosa em 1877. Coorden. do texto e ilustrações: marr
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